Primeiro algumas fotos da navegada do Gilberto subindo o Canal São Gonçalo e também do amigo Jorge. Ontem eu e a Janice passando pela muvuca de um engarrafamento na Ferreira Viana, e na frente finalmente, o Cota tomando o rumo das águas do Iate Clube de Pelotas, Parabéns...
Abaixo, Relato do César do Summertime.
Nove dias no paraíso
Já estava na hora de voltar a navegar, considerando
que havia comprado o barco já há alguns meses e minha última e única velejada
com ele fora a travessia da Lagoa dos Patos, para trazê-lo ao seu novo lar em
Pelotas. O mais difícil foi escolher a data em função dos compromissos
profissionais que acabam nos escravizando. Ficou acertado que seria no feriado
de Páscoa emendando na semana seguinte, aproveitando para levar o Minuano,
barco do amigo Luiz, de volta para casa, em Porto Alegre. E assim foi que
partimos na Sexta-feira Santa, 29 de Março,do Veleiros Saldanha da Gama tendo
por tripulação, no Summertime Tiago e eu, no Minuano Luiz e Robinson, amigos de
outras velejadas e muitas histórias acumuladas ao longo de muitos anos de
amizade e parceria.
Nosso primeiro
rumo foi São José do Norte, partilhando da realização de um sonho do Luiz de
chegar à cidade navegando em seu próprio barco, pois sua família tem tradição
marinheira e laços fortes com a cidade, ele próprio já tendo trabalhado
embarcado na adolescência. Almoçamos no simples, porém famoso restaurante
Brisamar, onde desfrutamos de excelente culinária à base de frutos do mar por
preços incrivelmente baixos para, a seguir, receber a visita do tio do Luiz a
bordo do Minuano, coroando seu sonho de chegar como comandante em seu próprio
veleiro. Depois atravessamos o canal até
atracarmos no Rio Grande Yacht Club, onde fomos recebidos de forma a nos
sentirmos em nossa própria casa, e pudemos nos juntar a outros amigos que prestigiavam
a Festa do Mar e se preparavam para participar da regata do dia seguinte
organizada pelo RGYC, Ari Vilas Boas e Joaquim Fonseca no veleiro Rigel. Mesmo
com poucos barcos a brisa moderada que soprou acrescentou certa emoção à
regatae o Minuano fez boa figura na raia. À noite, coquetel e premiação, bom
papo na varanda do clube e uma noite de sono para seguir viagem no dia
seguinte, agora com proa para Porto Alegre, sem pressa, curtindo a velejada e a
paisagem.
A ausência de
vento na manhã seguinte e a forte correnteza contra nos fez motorar o dia todo
para tentar chegar antes do anoitecer à Barra Falsa, o que infelizmente não foi
possível, embora tenhamos chegado com segurança, apesar da escuridão e
dificuldade de encontrar as estacas que marcam o caminho. A noite foi muito
agradável, principalmente por termos a possibilidade de comprovar a
extraordinária habilidade do Tiago na cozinha do Summertime. Enquanto a galera
saboreava um bom vinho, discutíamos o destino para o dia seguinte, tendo
chegado à conclusão de que o Porto do Barquinho seria a melhor opção. O vento
leste, que soprou desde as primeiras horas do dia, nos proporcionou uma bela
velejada até o farol Cristóvão Pereira, no entanto ao colocarmos a proa no rumo
do Porto do Barquinho as coisas se complicaram, pois as ondas cresceram com o
vento que apertou nos obrigando a baixar os panos e motorar até nosso destino,
que só conseguimos alcançar após o crepúsculo e com alguns encalhes aqui e ali.
O Porto do
Barquinho nos serviu de abrigo por quatro dias, pois os ventos fortes que
começaram a soprar de nordeste nos impediram de deixar o porto no dia seguinte
à nossa chegada. O que não foi exatamente um castigo, pois como a intenção era
curtir uns dias mais próximos à natureza, longe das coisas a que estamos
habituados na velha rotina que nos devora, na verdade foi um presente. Eu
permaneci na volta do barco durante os quatro dias, lendo e curtindo a vida a
bordo, mas o pessoal resolveu empreender expedições pelo lugar e acabou fazendo
amizade com o Hamilton, ou Amilton, ou Amarilton (acho que esse é o nome
verdadeiro, embora tenhamos adotado o primeiro), que para nossa gratidão e
deleite, nos presenteou com ovos, galinha caipira e um pedaço de tatu que
preparávamos à noite, degustando um vinho e procurando saber as previsões para
o dia seguinte com o Numair em Porto Alegre e o André em São Lourenço do Sul.
Na manhã do
quinto dia após nossa chegada ao Porto do Barquinho, confirmando a previsão da
noite anterior, o vento começou a soprar de noroeste com menor intensidade,
então resolvemos zarpar o mais cedo possível, também com a mesma dificuldade
que tivemos ao entrar, encalhando em alguns pontos. Com a vela grande no segundo rizo e agenoa um
pouco maior que um tormentin, velejamos numa orça folgada durante o dia todo
aguardando que a previsão de vento sudoeste se confirmasse, o que não
aconteceu, nos obrigando àquele contravento agradável o dia todo. O sol nos
acompanhou desde as primeiras horas da manhã e assim atravessamos o dia, debaixo
de um céuabsolutamente azul, sem nuvens. Após cruzarmos o Farol de Itapuã e
entrarmos oficialmenteno rio Guaíba o vento se despediu tornando o rio
espelhado. Chegamos em Porto Alegre à noite, sem ondas ou vento, apreciando uma
paisagem que só quem navega pode desfrutar, com as luzes da cidade ao fundo e
uma agradável sensação de paz.
Vale lembrar a
famosa frase, atribuída a Fernando Pessoa,“Navegar é
preciso, viver não é preciso”. As novas tecnologias incorporadas à navegação,
com gps e cartas digitais, tornaram ainda mais precisa a arte de navegar, nos
facilitando a vida e trazendo conforto a bordo. No entanto a vida continua
sendo imprecisa, imprevisível, incerta, nos dando a dimensão da nossa pequenez
e finitude. Resta-nos aproveitá-la da melhor maneira possível, curtindo a
família, os amigos e os pequenos prazeres, como passar noites em lugares ermos,
distantes da confusão das cidades e da rotina que nos aprisiona sempre. Quero
agradecer aos companheiros de mais essa aventura. Ao novo amigo, Tiago, que já
completa comigo duas travessias da Lagoa dos Patos a bordo do Summertime,
velejador competente, cozinheiro de mão cheia e que tem a calma e a serenidade
como marcas registradas. Ao Luiz, comandante do veleiro Minuano, pela velha
parceria firmada ao longo de mais de 20 anos, dos quais não tenho lembrança de
vê-lo triste ou desanimado e cujo repertório de piadas e frases de efeito
jamais se esgota. Ao Robinson,com quem tive o prazer de aprender as primeiras
lições de vela e dividir várias aventuras pela Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim,
sem deixar de mencionar a viagem inaugural dos nossos barcos Diogocão e Crusoé,
há 20 anos.
Que bons ventos
nos acompanhem sempre, nos levando a portos seguros, vislumbrando as mais belas
e singelas paisagens. Saúde, e que nunca nos falte...
César Augusto
Graff de Oliveira
Veleiro
Summertime
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